sábado, 19 de junho de 2010

Um postal entre dentes

De todos os feitios, as falésias, as ravinas e as ondas do sul de Portugal procuram seduzir os turistas. Há-as para todos os gostos e o postal em forma de trevo de quatro folhas augura boa sorte.
Quem olha para tudo muito desconfiada é a velha desdentada que na loja assiste ao esgotar do stock. No seu tempo não existia silicone e os fatos de banho bem cobertos não permitiam excessos. A fotografia de casamento, exposta num canto da loja, entre fatos de banho e sandálias, atesta a sua seriedade e estas modernices quase fazem corar a noiva e os convidados.

Mas quando os visitantes regressam aos hotéis e a noite cai sobre a falésia, é possível ver-se ao longe, correndo pelo areal, uma mulher nua que para trás deixou apenas a dentadura…

Um postal de inverno

Quis só mandar-te um abraço, hoje que tive um dia de cão. Tive aulas miseráveis em presença de uma colega que acha. Acha sempre qualquer coisa sobre tudo e eu acho que estou farta dela achar tanto e ser tão pouco.

Choveu a potes e eu esqueci-me do guarda-chuva. Cheguei ao emprego como uma esponja, encharquei o soalho encerado e chamaram-me a atenção por isso. O computador engasgou-se e fez desaparecer um texto inteiro. Perdi o autocarro, o outro passou em cima de uma poça e molhou a velha atrás de mim que vociferou “devo estar toda negra!”. O negro atrás dela riu mostrando uns dentes muito brancos e eu ri-me também quando um relâmpago rebentou por detrás do Carmo. Porra! Morro de medo de trovoadas…

Cheguei a casa cansada de me arreliar com tudo, é que ele há dias assim, e no final… olha apeteceu-me mandar-te um abraço, hoje, que tive um dia de cão.