sábado, 11 de setembro de 2010

Postal ao final da tarde

Tenho uma certa inveja. Sentam-se sempre os dois na varanda ao final da tarde, como se estivessem numa esplanada frente ao mar e conversam horas a fio até a noite assumar. Advinho-lhes as palavras nos sussurros que chegam até mim trazidos pelo vento, oiço-os rir enquanto a cidade se agita em baixo e eles nem veem. Não há nada mais do que o esticar de braços e o encostar das pernas ao soco do pequeno pátio suspenso como amurada de um navio, o estar ali, um com o outro, um no outro. Enquanto vou regando as plantas,


dou por mim a prender os olhos na toalha de mesa, na buganvilia florida de roxo a um canto, no cigarro que fumega no cinzeiro de loiça, no copo de vinho a ser levado aos lábios,




nos petiscos sobre a mesa, na porta da cozinha entreaberta, na meia bancada com a máquina do café em cima, no poster antigo colado na parede, nas aberturas sucessivas casa dentro a deixar correr o ar agora mais fresco, nas paredes adocicadas pela luz, nos corpos em repouso cá fora, nos dedos entrecruzados sobre a nuca, no sorriso, no rosto a ¼, no olhar luminoso que o observa, na conversa que se estende no puro gosto do dizer e escutar e que eu me entretenho a imaginar, suspensa em balões de acontecimentos numa iconografia inventada, no telefone que toca, na espera pelo fim desse semi-enredo invasor, de olhos postos nos telhados onde poisam as gaivotas, na onda involuntária que me molha os pés quando o vaso transborda arrastando-me em palavrões, no pavimento encharcado, nas pegadas de água em busca de um pano, no gato que as lambisca enquanto não as seco,


na mão que o afasta, no tecido a humedecer-se no descuido, na rua em baixo a ver se ninguém se molhou, na varanda onde sempre se sentam ao final da tarde, agora vazia, agora que o sol tombou.