quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Postal a ver um ovni no Bugio

Há dias em que o mar e o céu se fundem e o Bugio parece planar no horizonte. As embarcações iludem o olhar movimentando-se nessa ausência de limite como se fosse possivel flutuar e não desaparecer para lá da curvatura da terra.
Calculo que em dias como este os antigos tenham ficado baralhados e, contas feitas a eixos e ângulos, tenham continuado indicifráveis os segredos da neblina a fender qualquer certeza.
No Bugio suspenso sobre o Tejo, espero ver assumar à torre central aqueles que apenas se mostram nestes dias. O reflexo tremeluzente do sol na água dissolve a nitidez da imagem nas goticulas polvilhadas ao longe. Uma sombra movimenta-se na amurada.Semi-cerro os olhos na velocidade do comboio para conseguir ver o que não é mais do que um perfil roido.
Olho os meus companheiros de viagem na esperança de perceber se veem o mesmo que eu, mas a rapariga que arranja as unhas e se fixa na lima em vai e vem alheia-se na cadencia do kuduro que se ouve através dos head-phones.
Um pouco adiante, a nuca grisalha de um velho não se desvia do jornal de distribuição gratuita aberto em frente. Há quem dormite, quem fale ao telemóvel. E o Bugio vai ficando para trás à medida que o grande pinheiro se aproxima, e debaixo dele se encontram as duas vizinhas que todas as manhãs trazem os cães a passear no baldio. Quando a voz gravada anuncia a paragem seguinte e a carruagem é atravessada por uma ligeira agitação, estava capaz de jurar que pelo canto do olho tinha visto o Bugio levantar voo em direcção a Sul...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Postal de Reis

Do alto de um 4º andar, o Menino-Jesus abana os pés ao vento. Não consegue desviar os olhos de um outro Menino-Jesus, amarelo e descorado, certamente atacado de icterícia, que desbota a cada dia que passa na fraca qualidade do fabrico, três janelas abaixo.
De pezinhos pequenos impressos em nylon, este encolhe uma bênção envergonhada enquanto olha intrigado um terceiro Menino-Jesus, redondo e reluzente, que vive na varanda do prédio em frente, adornado por um turbilhão de fitas doiradas. Recorda-se de o ver no porão do mesmo avião que o trouxe, numa outra pilha de pacotes, expedido de uma outra fábrica directamente para este condomínio de estábulos aéreos. Ele bem que teria gostado de ter nascido naquela fábrica dos meninos anafados e perfeitos e não tanto naquela que o produziu mirrado.
Também não se teria importado de nascer em pano azul, como alguns dos Meninos-Jesus do Porto. Uma vez amarelo, também poderia ter nascido na manjedoura de palha impressa, do Menino-Jesus que habita no bairro adiante. O Menino-Mirrado acena aos quatro Pais Natal que trepam uma escada um pouco mais acima e pensa que a inveja é um pecado feio, enquanto sonha com a fatia de Bolo-Rei que está a ser comida, no interior da casa de quem o expôs.