terça-feira, 20 de julho de 2010

Um postal ao balcão

Ajeito-me entre as Empadas e os Palmiers e procuro na mala a caneta para te escrever. É cedo e a pastelaria está às moscas. O Sr. João trouxe-me entretanto o carioca que lhe pedi. À medida que se aproxima a hora do autocarro, surgem mais clientes. Gosto quando se detêm frente à montra dos bolos e lhes vejo os olhos, e neles o pensamento, as calorias, as cáries, o colesterol, a dieta, a gula, o horário do dia com a pausa para comer, o saquinho de papel manchado de gordura, o Bolo de Arroz, o Rim ou o Jesuita, comprados nesta manhã em que te escrevo, a desaparecerem, boca fora, já longe do meu olhar. Enquanto espera o embrulho para levar, a senhora velha pede um garoto, o carteiro uma bica, um homem de calças de ganga pintada um café. Não é um cafézinho como o da D. Olga, tomado em sorvo aflito a enganar o quente no passo apressado pela preocupação de levar o neto ao infantário. Nem tão pouco um café quase cheio que faz parecer a cafeina um inimigo menor. É um café café, ainda que a piscar o olho a um cheirinho para aguentar a dureza do dia nas obras de reconstrução do prédio ao lado.





Ha quem se aproxime e peça um descafeinado, quem goste de uma chicara ou da chavena escaldada aninhada nos dedos a activar a circulação. Alguns pagam o totoloto entre golos e galões. Outros, hesitam entre abatanados e meias de leite a ouvir ao longe o autocarro em esforço a subir a rua. Ha quem tenha ainda tempo para uma italiana, um café duplo, um duplo escaldado, um pingado, com açucar, sem acuçar, com frutose, com pauzinhos de canela.

Há quem pague e quem deixe ficar as moedas sobre o balcão, quem pague mais logo, quem ponha na conta, quem se esqueça, quem desapareça porta fora. Pego no postal, despeço-me e corro para não perder o transporte.

2 comentários: