terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Postal de Reis

Do alto de um 4º andar, o Menino-Jesus abana os pés ao vento. Não consegue desviar os olhos de um outro Menino-Jesus, amarelo e descorado, certamente atacado de icterícia, que desbota a cada dia que passa na fraca qualidade do fabrico, três janelas abaixo.
De pezinhos pequenos impressos em nylon, este encolhe uma bênção envergonhada enquanto olha intrigado um terceiro Menino-Jesus, redondo e reluzente, que vive na varanda do prédio em frente, adornado por um turbilhão de fitas doiradas. Recorda-se de o ver no porão do mesmo avião que o trouxe, numa outra pilha de pacotes, expedido de uma outra fábrica directamente para este condomínio de estábulos aéreos. Ele bem que teria gostado de ter nascido naquela fábrica dos meninos anafados e perfeitos e não tanto naquela que o produziu mirrado.
Também não se teria importado de nascer em pano azul, como alguns dos Meninos-Jesus do Porto. Uma vez amarelo, também poderia ter nascido na manjedoura de palha impressa, do Menino-Jesus que habita no bairro adiante. O Menino-Mirrado acena aos quatro Pais Natal que trepam uma escada um pouco mais acima e pensa que a inveja é um pecado feio, enquanto sonha com a fatia de Bolo-Rei que está a ser comida, no interior da casa de quem o expôs.

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